O valor de Fischer
Ele era um herói nacional cuja popularidade concorria com Mohamed Ali...
Por Garry Kasparov
A atordoante notícia sobre a detenção de Bobby Fischer no Japão veio no momento em que este americano, campeão mundial de xadrez, já estava muito em minha mente. Eu estou, presentemente, terminando o quarto da minha série de
seis volumes sobre as partidas de geniais jogadores e é precisamente neste volume que Robert James Fischer, eternamente conhecido como Bobby, é a estrela.
Este projeto inclui centenas de partidas de Fischer nos mínimos detalhes. Também pretende compreender o homem por atrás dos movimentos e a época em que ele os fez.
Não obstante sua curta permanência no topo, há muito para se discutir sobre o xadrez de Bobby Fischer. Ele mudou o jogo de uma maneira que não se vê desde o passado século dezenove.
A lacuna entre o Fischer e seus contemporâneos sempre foi imensa. Sem ajuda nenhuma, revitalizou um jogo que tinha ficado estagnado sob o controle de comunistas do hierárquico esporte soviético.
Quando Bobby subiu ao topo do xadrez mundial no início dos anos 70, ele era um vinho fino em um vaso defeituoso. Suas contribuições para a modalidade, tanto no tabuleiro quanto em uma perspectiva comercial, não foram menos que
uma revolução no xadrez mundial. Ao mesmo tempo, seu caráter sensível e abusivo mostrava falhas que o afundava a cada passo que dava em direção ao título mais alto.
Hoje é difícil imaginar a sensação de êxito de Fischer quando tirou de Boris Spassky o campeonato mundial em Reykjavik, Islândia, em 1972. Durante a Guerra Fria, o destruidor de ídolos tomou a coroa de uma máquina soviética
que dominou o xadrez mundial por décadas. E isso depois de se apresentar para o match sob qualquer condição, e por isso perder a primeira partida e por negligência perder a segunda!
Em parte, isso foi devido a seu comportamento abusivo antes e durante o "match do século"; a cobertura da imprensa foi incrível. As partidas eram exibidas ao vivo para o mundo. Eu tinha nove anos e já era um forte jogador de clube quando o match Fischer - Spassky aconteceu, e eu acompanhei os jogos avidamente. Fischer, que havia massacrado dois outros grande mestres soviéticos em sua marcha para o título, ainda assim, era admirado na União Soviética. Eles respeitavam seu xadrez, é claro; mas muitos, disfarçadamente, apreciavam sua personalidade e independência.
Depois que o confronto terminou com uma convincente vitória do americano, o mundo ficou a seus pés. Xadrez se tornou a ponta de um comercialmente próspero esporte em um primeiro momento. O jogo de Fischer, sua naturalidade
e seu carisma criaram uma oportunidade ímpar. Ele era um herói nacional cuja popularidade concorria com Mohamed Ali. Vendas de jogos de peças e livros cresceram rapidamente e aumentaram torneios com premiação. Com Fischer na
liderança, a modalidade se popularizou.
Com a glória, entretanto, vieram responsabilidade e enorme pressão. Ele não poderia jogar novamente. Ficou três anos afastado dos tabuleiros, antes do precioso título ele tinha trabalhado sua vida inteira para então se omitir em 1975. Astronômicas somas de dinheiro foram oferecidas para atrai-lo de volta. Poderia ter jogado contra o novo campeão, Anatoly Karpov, por 5 milhões de dólares. Oportunidades existiram, mas Fischer tinha uma força simplesmente destrutiva. Ele arruinou a máquina soviética de xadrez, mas não poderia construir nada em seu lugar. Era um rival ideal, mas um desastroso campeão.
A sabedoria comum diz que Bobby Fischer foi uma honesta e insolente criança que queria as coisas de sua própria maneira. Eu acredito que ele era consciente de suas ações e do efeito psicológico que suas atitudes tinham sobre seus oponentes. O honrado Spassky foi mal-preparado para lidar com o hostil americano em Reykjavik. Em 1975, o desafiador de Bobby foi o jovem Karpov, o qual eu encontraria mais tarde em cinco consecutivos campeonatos
mundiais.
Incapaz de pensar em derrota, Fischer abandonou o xadrez. Privado da única coisa que queria fazer na vida, direcionou sua energia destrutiva para dentro de si mesmo, relacionou-se com uma mortal anti-semitista (apesar de sua própria herança judaica).
O seu drama teve um ato final em 1992, quando, com quase 50 anos de idade, ele foi retirado da reclusão, seduzido por milhões para uma nova disputa contra Spassky na Iugoslávia, violando sanções internacionais. O jogo foi previsivelmente enferrujado, embora existissem faíscas do velho e brilhante Fischer. Seu equilíbrio mental, entretanto, tinha enfraquecido ainda mais durante os vinte anos de solidão. Mais tarde, Bobby profanaria comentários acusadores de conspirações israelenses para uma recepção cordial nos eventos de 11 de setembro.
Apesar da feiúra de sua decadência, é digno de ser lembrado pelas grandes coisas que fez pelo xadrez e por suas imortais partidas. Eu prefiro concentrar-me em não deixar que sua tragédia pessoal se torne a tragédia do xadrez.
Uma geração inteira de grandes jogadores americanos aprendeu o jogo quando crianças graças a Fischer. O próspero movimento escolar de hoje poderia estar prejudicado tanto quanto sua desdita e confiança fizeram manchetes
pelo mundo. As pessoas podem acreditar que isto é o que acontece quando um gênio joga xadrez - em vez do que acontece com uma mente fraca que deixa sua vida oculta.
Fonte: The Wall Street Journal
Nenhum comentário:
Postar um comentário